Do Parque Fernando Costa ao Parque Eduardo VII

A viagem de Marlene A. Catanzaro a Portugal

Foi por inspiração franciscana que mudei o acesso de entrada ao Parque Fernando Costa, ou, como ele é familiarmente conhecido, Parque da Água Branca, naquele dia 18 de setembro de 2005, onde fazia as habituais caminhadas matinais.


Naquela bela manhã de domingo um gato amarelo e branco fora atropelado nas dependências do parque. Ferido e quase agonizante foi abandonado à própria sorte na calçada, rente ao muro.

Muitas pessoas que passavam pela rua olhavam a cena; umas indignadas e compadecidas; outras, indiferentes ao sofrimento do pobre bichano. Quis o destino que, entre tantas pessoas, os nossos olhares se cruzassem: o meu, curioso e apreensivo; o dele, suplicante e doce.
Alguns anos se passaram desde aquele fatídico dia, uma luminosa manhã de quase primavera. Casei-me novamente, mudei de cidade e de estilo de vida. As caminhadas passaram a ser feitas em esteira, de frente para um belo e grande jardim, com flores e árvores frutíferas onde pássaros cantam em prazenteira algazarra.


Adotamos cachorros, gatos e tartarugas relegados ao abandono...
Mas queria ir além, poder ajudar mais... São tantos animais, tantas protetoras postando diariamente os resgates, rifas sendo feitas para angariar fundos. Enfim, uma necessidade que não se esgota.
E foi no meio destas ideias, emolduradas pela relva orvalhada, que surgiu a ideia de escrever um livro. Claro! Por que não? Uma história com personagem e tudo eu já tinha, ali, dentro da minha casa, e se chamava Senninha, o gato amarelo e branco atropelado lá no Parque Fernando Costa.
Por que não escrever a sua história? Colocar num livro a saga desse gatinho de olhos cor de mel?
A renda poderia ser destinada a Associações de Proteção aos Animais. Confiando no que disse Fernando Pessoa que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, arregacei as mangas e investi no projeto. E deu certo!
“A História de Um Gato” virou livro e tornou o Senninha um personagem amado e conhecido de muita gente. As pessoas que leem a história se declaram emocionadas e admiradas com a garra que fez aquele valente gatinho superar grandes obstáculos; um vitorioso diante daquela tragédia. Outros leitores relatam haver desenvolvido um novo sentimento em relação aos felinos. E, a cada dia, são novas, surpreendentes e calorosas declarações sobre o relato.

Se os brasileiros se encantaram com a história, por que não apresentar o Senninha a outras gentes? A Editora portuguesa Chiado, com sede em Lisboa, acolheu muito positivamente a obra e propôs-me a edição para Portugal Continental e Ilhas, além de países de língua portuguesa na África.
Exatos seis meses transcorreram desde o primeiro contato com a Editora Chiado até o aguardado dia do lançamento do livro. Foram meses de preparação, envolvendo aprovação do lay out da capa, revisão de texto, e, claro, organização de hospedagem, escolha de hotel, roteiros de passeios, restaurantes...



E assim, cheios de expectativas, atravessamos o Atlântico e fomos contar ao povo português a sina de um gato amarelo e branco com olhar sedutor que foi atropelado e abandonado num parque de uma grande cidade paulistana.
O lançamento na terra de Saramago, Amália e Cabral aconteceu no dia 11 de junho, no grande evento literário português, a 86ª Feira Internacional do Livro, em Lisboa.
A viagem não poderia ter sido melhor. Portugal é um país encantadoramente acolhedor e belo. Nos dias que antecederam o lançamento, ou seja, do dia 1º ao dia 09 de junho, saímos em viagem pelo país.


O roteiro minuciosamente estudado priorizava as visitas aos castelos e palácios, um verdadeiro mergulho na história portuguesa.
A primeira cidade visitada foi Guimarães, no Distrito de Braga, uma das mais importantes cidades históricas do país. Também conhecida como cidade-berço, onde Dom Afonso Henriques fundou, em 1139, o pequenino Portugal.
Lá visitamos o Castelo de Guimarães, construído no século X e onde nasceu, em 1112, D. Afonso Henriques.
Deixamos as belezas de Guimarães e partimos para Santa Maria da Feira, no Distrito de Aveiro. Uma cidade belíssima e com ótima estrutura de comércio. Lá nos hospedamos no Hotel Nova Cruz, centro da cidade; além do atendimento atencioso dos funcionários, o hotel dispõe de quarto amplo, arejado, muito limpo e com tudo, absolutamente tudo em ordem. O café da manhã, que eles chamam de “pequeno almoço”, é delicioso.
Em Santa Maria da Feira visitamos o Castelo de mesmo nome. Seu estado de conservação é notável. Dele obtivemos belíssimas fotos noturnas. Ao pé da subida ao castelo existe uma feira de antiguidades e objetos usados, com algumas coisas muito interessantes.
Almoçamos ali mesmo, em frente à feira de antiguidades. O local chamou a atenção pela quantidade de pessoas que aguardavam em fila. E não era só pelo pequeno tamanho do restaurante que a espera se fez grande. Os pratos para uma pessoa servem, seguramente, três. Comemos ali um delicioso bacalhau indicado pelo simpático “Seu” José.
Com o coração já saudoso partimos de Santa Maria da Feira em sentido de Marvão. Antes de chegarmos, fomos atraídos no caminho pela indicação de um castelo que não constava do nosso roteiro: o Castelo de Vide.
Imagine um bairro medieval, com casinhas pintadas de branco, flores pelas calçadas e placas que indicavam ter havido um torneio de “Rua Mais Florida”. Vimos placas do terceiro e segundo lugares e nos encantamos com o colorido e a diversidade das flores. Imagine o primeiro colocado!


Após a breve passagem por Castelo de Vide, seguimos, agora sim, em direção a Marvão, Distrito de Portalegre, na região do Alentejo.
O hotel que nos hospedou, o Dom Manuel VI, fica dentro das muralhas do castelo, localizado a uma altitude de 860 metros. Lá de cima vislumbra-se o céu tão de perto que temos a impressão que a qualquer momento ouviremos as harpas celestiais. A vista é deslumbrante...
“Seu” Manuel e sua esposa, Dona Celeste, administram com elegância, bom gosto e impecável atendimento aquele belo lugar. Embora um pouco pequeno, o quarto é muito bonito e aconchegante. E o “pequeno almoço” é excelente.
Um dos grandes sonhos ao viajar para Portugal era conhecer Coimbra, particularmente a Universidade, uma das mais antigas do mundo e a mais antiga de Portugal, criada por Dom Dinis, em 1290.
Ali visitamos a Biblioteca Joanina, situada no Palácio das Escolas da Universidade, no pátio da Faculdade de Direito. Construída entre os anos de 1717 e 1728, é um dos expoentes do Barroco Português e uma das mais ricas bibliotecas europeias. Recebeu o nome de Joanina em homenagem a Dom João V, que patrocinou a sua construção.
Esta foi a última cidade que visitamos antes de retornarmos para a capital Lisboa. Em uma viagem feita logo após o almoço, viemos pelas excelentes estradas portuguesas, admirando as belas paisagens do interior português.
Em Lisboa, visitamos novamente o Rio Tejo, o maior da península Ibérica. De suas margens partiram as naus que descobririam a América e, anos depois, o Brasil. Visitamos o bairro Chiado, o Rossio, a magnífica Praça do Comércio, fotografamos a Ponte 25 de Abril...
Agora já estávamos a dois dias do evento que nos levou a Portugal: o lançamento da “A História de Um Gato”, na Feira Internacional de Lisboa.



Como ficaríamos ali quase dez dias, optamos por alugar um apartamento. E foi a melhor coisa que fizemos. O imóvel ficava a poucas quadras do Parque Eduardo VII, local da Feira; ficava também muito próximo da estação de metrô, lá chamado de “métro” e da Av. Liberdade, uma das mais importantes e belas avenidas de Lisboa.

Aproveitamos a facilidade do metrô e fomos realizar mais um sonho: conhecer o Palácio de Queluz, onde nasceu o imperador brasileiro Dom Pedro I e onde viveu durante muitos anos a família real. Foi para lá também que retornou o imperador após sua abdicação ao trono brasileiro, em 1831. Ali viveria até o seu falecimento, em 1834, aos 35 anos de idade.
Queluz pode ser comparado a um Versalles em miniatura, pelo charme e elegância das acomodações com seus lustres reluzentes e formosos jardins.
Foi um dia próprio do nome do Palácio: que luz!



Antes de cair a tarde retornamos para Lisboa, para o aconchegante apartamento que nos serviu de lar por mais de uma semana.
Aproveitávamos a longevidade da luz do dia, que se estende até aproximadamente 21h30 e íamos para a Feira do Livro. O Parque Eduardo VII é belíssimo e muito bem conservado. Naquele belo espaço a feira recebia os visitantes ao longo do dia e da noite. Em ambiente calmo circulavam famílias com crianças, pessoas com ou sem animais, jovens e idosos, professores acompanhando seus alunos. Uma excelente oportunidade para troca de experiências e aquisição de livros das mais diversas áreas.


E, finalmente, chegou o tão aguardado sábado do lançamento, dia 11 de junho. O dia amanheceu lindo, com uma temperatura que não chegava aos 30 graus. Fomos para a Feira apresentar, oficialmente, o doce Senninha a Portugal.
Contamos com a carinhosa presença de amigos portugueses que só conhecíamos virtualmente e, também, a presença honrosa do escritor português José Capote, que havia lançado seu livro “Cristal, a Estrela do Rock”, no mesmo evento, dias antes.
Foi emocionante, como eu imaginava que seria, ver as pessoas se aproximando magnetizadas pela imagem do Gato Amarelo e Branco na capa do livro, desejosas de contarem também suas apaixonantes histórias com seus bichos de estimação.
As horas passaram-se rapidamente e a tarde encobriu o parque com os tons alaranjados de mais um belo entardecer sobre o Parque Eduardo VII, palco daquele importante espetáculo literário.

Parte do projeto estava concluída. Meus sentimentos variavam entre a gratidão a Deus, em primeiro lugar; ao meu marido, por compartilhar estes sonhos e ao amor pelos animais e, naquele momento, especificamente, ao Senninha.
Assim como eu dizia ao Senninha, quando lhe cuidava nos momentos de esvaziar-lhe a bexiga e o intestino, agora eu repetia com os olhos úmidos pela emoção de mais aquela conquista:
“Não te disse, Senninha, que conseguiríamos?

Marlene Alves Catanzaro
Fotos: Arquivo Pessoal

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